Quando tinha cerca de três meses de idade, os meus pais começaram a deixar-me com uma ama. A senhora não tinha qualquer experiência na função, mas era vizinha da minha avó, mãe de dois filhos adolescentes, e de grande confiança. Apesar de o seu nome pouco ou nada ter a ver com isso, as minhas primeiras palavras viram-me a chamar-lhe “Nana”, e o nome ficou para sempre — não só comigo, mas entre todos os que nos conhecem às duas. Com a chegada da idade pré-escolar, e em sua defesa, a progenitura tentou seguir o procedimento normal: colocar-me num infantário. Correu mal. As saudades da Nana, dos seus mimos e dos seus filhos e do seu quintal e dos seus gatos e dos seus bolos, foram grandes demais: e, assim, lá voltou a Luísa para a ama, onde era muito mais feliz à sua maneira introvertida, e onde continuou a passar a maior parte dos seus dias até à pré-adolescência, altura em que… bom, altura em que todos ficamos estúpidos.
Hoje, vejo a Nana em dias de festa, se tanto. É pela distância, sim, mas também, e principalmente, parece-me, por medo — medo de olhar a mudança de frente e querer fugir; medo do passado que teve de passar. Nos cerca de quinze anos que entretanto voaram, a minha Nana foi a Nana de múltiplas crianças, e, tenho a certeza, uma segunda mãe para todas: mas, gosto de acreditar, nunca para nenhuma como o foi para mim. A minha Nana, perto ou longe, continua a ser um dos seres humanos que mais amo e respeito neste mundo, sinónimo com toda a doçura da infância e da Infância, a pessoa que me ensinou o início de quase tudo o que sou — e, sim, isso inclui fazer bolos. Esta receita deliciosa (que, na verdade, só recebi dela por volta do Natal passado), é apenas uma das mil que a Nana faz na perfeição, com um toque só dela, e que significa o mundo para mim poder partilhar — muito, muito humildemente, e com todo o amor.
FICHA TÉCNICA
- Tempo: 15-20 min (preparação) + 2 horas (frigorífico).
- Dificuldade: Baixa.
- Porções: 10 doses.
- Calorias (total): 1530 kcal (sem caramelo).
- Calorias (1 dose): 153 kcal (sem caramelo).
INGREDIENTES
- 1L de leite magro;
- 3 carcaças de pão;
- 6 gemas de ovo;
- 75g de açúcar branco;
- 1 saqueta de preparado para pudim chinês;
- Caramelo líquido q.b. (opcional).
PREPARAÇÃO
- Forrar o fundo de uma forma de pudim com caramelo líquido — ou, em alternativa, passá-la simplesmente por água fria.
- Num tacho, partir os pães em pequenos pedaços, não rejeitando nenhuma parte. Juntar o leite e levar a lume brando. Quando o pão estiver bem amolecido, desligar o lume e desfazer tudo com uma varinha mágica, até ficar um creme completamente uniforme.
- À parte, bater bem as gemas com o açúcar e o preparado de pudim, até obter uma mistura cremosa. Adicionar esta mistura ao tacho e levar novamente ao lume.
- Quando começar a engrossar, retirar do lume, verter na forma e levar ao frigorífico até ganhar consistência (mínimo de 2h). Assim que sólido, desenformar.
Não sendo especialmente fã de pudins, este, com a sua textura densa e sabor sólido, pouco doce e terra-a-terra, sempre fez as minhas delícias, e hoje não foi excepção — com a ajuda de um gang esfomeado da família, este pedaço de céu desapareceu num piscar de olhos, por entre múltiplos protestos e pedidos de repetição (em defesa deles, só fiz metade da receita…).
Quando a Nana o faz, o preparado para pudim é de marca, o leite não é magro, e leva um pouco menos de pão: pequenas alterações com que também podem brincar. A minha versão de hoje é, literalmente, a que podem ver acima. Seduz-vos?